[CLÁSSICOS] Laranja Mecânica
Quando falamos de Stanley Kubrick, o que vem na mente da
maioria dos cinéfilos e cineastas é “um dos mais diretores de todos os tempos,
se não o maior”. E eles estão certos: 2001 – Uma Odisseia no Espaço é uma das
maiores obras-prima de todos os tempos, e é considerado o melhor filme de
ficção científica da história, inspirando diretores como Steven Spielberg,
George Lucas, entre outros…
Entretanto, não é só por esse seu épico que ele é famoso. Outro filme
extraordinariamente bem concebido por ele foi esse que este crítico que vos
fala e comentará nos próximos parágrafos: Laranja Mecânica, uma trama única
sobre os conflitos internos forçados por um homem que, em pleno caos, tomou
conta de sua vida após fazer escolhas erradas durante muito tempo.
A filosofia escondida no filme é muito bela – tão bela que me lembrou o
meu filme favorito: Clube da Luta. Vemos uma história sombria, pesada, sobre
personagens que ultrapassam a barreira do politicamente incorreto de maneira
espantosa; mas o que realmente está implícito lá? Durante o filme, acompanhamos
a história de Alex, um adolescente rebelde ao extremo, que se reúne com sua
gangue, a qual ele lidera, para espancar bêbados, assustar pessoas e estuprar
mulheres. Esse era o seu mundo perfeito, e notamos isso pela interpretação do
ator que vive Alex. Até que um dia seus amigos se revoltam com sua liderança
abusiva e o entregam a polícia. E, na prisão, ele descobre que existe um método
para tornar o ser humano bom – um método científico para eliminar as
características ruins da personalidade do participante.
E é nesse ponto que o filme escancara a sua genialidade: no
início do filme, temos uma série de cenas que desenvolvem ao máximo a
personalidade de Alex: vemos ele espancando um idoso bêbado embaixo de uma
ponte – somente porque ele não gosta de idosos bêbados, como diz a narração em
off -, estuprando uma mulher na frente de seu marido – um escritor, o qual ele
espanca bastante – e sendo bastante mimado pelos pais – que acreditam, sem
fazer muito esforço, que o filho está doente e que não pode ir a escola naquele
dia ( sendo isso, obviamente, uma mentira). Ou seja: Alex é o pior tipo de
pessoa na idade dele que pode existir, e para completar essa conclusão vemos
ele levando duas garotas para a cama com muita facilidade.
Então, fica extremamente fácil de nós aceitarmos Alex sendo um “menino bonzinho” na cadeia, além de quando ele se voluntaria para participar do método para torná-lo um ser humano bom: é óbvio que ele estava fazendo tudo isso para dar logo o fora dali – chegamos até a vê-lo ser extremamente gentil com um padre, sendo que no início do filme, vemos em seu quarto pequenas estátuas que representam Jesus Cristo de maneira debochada – bastante, aliás.
Durante o processo de “aperfeiçoamento” da personalidade de
Alex, que em nenhum momento é previamente esclarecido de como funciona, Stanley
Kubrick faz questão de mostrar que ele é brutal, de que ela é extrema até para
um criminoso em larga escala como Alex. E ele faz isso com toda a razão, já que
jogar na cara de um malfeitor que ele é um monstro por dentro, por mais que ele
conviva com isso, é assustador. E mais assustador ainda é o que ocorre depois
com Alex, com todo o seu “mundo perfeito” se voltando contra ele, após ele sair
da prisão – sempre sentido fortes vontades de vomitar logo no momento de
cometer novamente os delitos que o levaram para a cadeia: seus pais conseguiram
um “novo filho”, seus ex-parceiros de gangue se tornaram policiais ( e eles os
espanca), e ele acaba batendo na porta do marido escritor da mulher que ele
estuprou – que se torna um dos personagens mais psicologicamente alterados que
já vi.
Ou seja: aquilo que vimos Alex fazendo no início do filme não só serviu
para desenvolvê-lo, mas para dar continuidade a trama quando esta estivesse
próxima da conclusão ( e dão continuidade mesmo: o que acontece em decorrência
disso nos leva a um dos “finais não-felizes” disfarçados de “felizes” mais
interessantes de todos. )
A fotografia do filme é bem simples em determinados
momentos, e em outros bastante bem executada: como na cena em que eles impedem
outra gangue de estuprar uma mulher e na cena em que eles se aproximam do idoso
embaixo de uma ponte antes de espancá-lo.
A direção de Kubrick é outro detalhe importante. Prestem atenção na cena
em que Alex passeia em uma loja de vinis – o passeio que a câmera faz é
brilhante ( além de ressaltar o CD da trilha sonora de 2001 – Uma Odisseia no
Espaço. A maneira cômica como a cena de sexo de Alex com as duas garotas que
ele conhece nessa mesma loja também é bem realizada pelo diretor, acelerando a
imagem e pondo uma música instrumental de fundo. A montagem também é bem
interessante, mas nada de muito extraordinário.
Mas, mesmo no meio de tantos pontos positivos, o filme peca na cena do
bar, logo após Alex acabar de jogar seus colegas de gangue no mar, logo após
eles pedirem um espaço maior nas decisões do que o grupo deve fazer. A atitude
de Alex, claramente, dizia: “EU QUE MANDO NESSE GRUPO! VOCÊS TEM QUE ME
OBEDECER!”. Mas, o que a narração off fala? “Eu estava mostrando a eles quem é
que manda.”. Infelizmente, com essa fala em off, a cena ficou redundante.
Mesmo assim, Laranja Mecânica é um filme memorável, e não é a toa que está
em diversas listas como um dos melhores de todos os tempos.
Nota: 9,7